20101013

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PRIMEIRO DISCURSO POLÍTICO DE SÁ CARNEIRO, NO DIA 12 DE OUTUBRO DE 1969

"Minhas senhoras e meus senhores:

Senti-me muito honrado com o convite que me foi dirigido para tomar parte nesta sessão, mas ao aceitá-lo logo transmiti a minha apreensão ao Presidente da Comissão Concelhia da União Nacional.

Estreante nestas lides, sinto-me totalmente desprovido dos dotes oratórios capazes de empolgarem uma assembleia de eleitores, ou sequer de lhe prender a atenção por muito tempo.

Além disso, as poucas sessões de propaganda eleitoral a que assisti há bons vinte anos, deixaram-me a penosa impressão de longos discursos em que os elogios ao regime alternavam com os ataques aos adversários, só interrompidos pelos vivas e morras correspondentes, tudo não criando senão um clima de exaltação impróprio da tentativa de esclarecimento político.

Hoje e aqui, não foi para isso que nos reunimos, mas apenas para uma troca de impressões a que procurarei dar honestamente a minha singela colaboração, em ordem a possibilitar a Vossas Excelências um melhor conhecimento da pessoa de um candidato, das suas ideias, das suas intenções.

O fundamental é, a meu ver, darmo-nos a conhecer, mormente quando, como acontece comigo, se trata de um novato desconhecido, que não pode apresentar nem realizações políticas anteriores, nem outros pergaminhos que não sejam uma licenciatura em Direito seguida de treze anos de trabalho de advocacia.

Necessariamente esse conhecimento desagradará a alguns: o fundamental é que todos possam ficar esclarecidos e votar conscientemente no sentido que julgarem mais adequado aos interesses do País.

Isto é tanto mais necessário quanto é certo que os eleitores são chamados a fazerem uma escolha de pessoas e de métodos e não a optarem por um ou por outro partido.

Ao propor a nossa candidatura, a União Nacional não apresenta aos eleitores um grupo de seus filiados que apoiem incondicionalmente a política do Governo e se tenham submetido a uma disciplina partidária, mas sim dez pessoas que, com liberdade e independência, se dispõem a participar num dos órgãos de soberania da Nação, em ordem a servi-la colaborando no progresso do País.

Esta liberdade de acção e independência política seriam impossíveis numa organização partidária, sujeita a regras próprias e a indispensável disciplina. Não quero com isto depreciar os partidos políticos, que merecem ser encarados com seriedade como meio válido de participação, mas apenas salientar que as condições em que a União Nacional actualmente se propõe intervir na apresentação de candidaturas tornam possível a participação de pessoas que, como eu próprio, não só não são seus membros, como não abdicam das suas ideias, nem empenham a sua liberdade de acção.

Neste momento especial isto parece-me importantíssimo. De outro modo não seria possível a colaboração daqueles que, absolutamente despidos de ambições políticas, sentem que é seu dever não se recusarem a colaborar numa obra de renovação, que é independente de posições partidárias.

Por muito que se tenha educado no descrédito da política, é-se forçado a reconhecer que, quando se começa a tomar em profundidade consciência da nossa própria existência pessoal e das realidades que nos cercam, somos constantemente conduzidos a ela.

Desde a educação e futuro dos nossos filhos às nossas próprias condições de trabalho e de vida, desde a liberdade de ideias à liberdade física, aquilo que pensamos e queremos coloca-nos directamente ante a política: seja em oposição frontal à seguida por determinado Governo, seja de simples desacordo, seja de apoio franco.

Porque somos homens, seres inteligentes e livres chamados a lutar pela realização desses dons na vida, formamos a nossa opinião e exprimimos as nossas ideias, pelo menos no círculo de pessoas que nos cercam. Mas se nos limitarmos a isso, se nos demitimos da intervenção activa, não passaremos de desportistas de bancada, ou melhor, de políticos de café.

A intervenção activa é a única possibilidade que temos de tentar passar do isolamento das nossas ideias e das teorias das nossas palavras à realidade da actuação prática, sem a qual as ideias definham e as palavras se tornam ocas.

Trata-se portanto de um direito e de um dever que nos assiste como simples cidadãos, pelo qual não nos devemos cansar de lutar e ao qual não nos podemos esquivar a corresponder.

Podemos sentir ou não vocação para o desempenho de atitudes ou de cargos políticos, podemos aceitar ou não as condições em que estamos, concordar ou não com a forma como a intervenção nos é facultada, mas não temos o direito de nos demitirmos da dimensão política, que, resultante da nossa liberdade e da nossa inteligência, é essencial à condição de homens.

A razão por que aceitei a candidatura é portanto a mesma por que requeri a minha inscrição no recenseamento eleitoral: por esta habilitei-me a intervir através do voto; mediante aquela aceitação propus-me tentar participar directamente na condução da vida da Nação.

Infelizmente os números do recenseamento revelam que a grande maioria dos portugueses não pensa assim.

Mas suponho que muitos dos que se remeteram a essa passividade, que é demissão, o lamentam já, ante a animação a que esta campanha eleitoral deu lugar.

Este é um ponto que me parece essencial, pois que se o País não o encarar com seriedade, se cada um se não dispuser a tornar efectivos os seus direitos e deveres cívicos, não poderemos sair da apatia em que nos encontramos, do imobilismo que só agradará a uns quantos.

Recuso-me a aceitar que sejamos assim, que o nosso povo tenha por natureza de ficar eternamente sujeito ao paternalismo de um homem, de um sistema ou de uma classe.

Recuso-me a admitir que, ao contrário dos outros povos, não possamos ser capazes de conciliar a liberdade com a ordem, o progresso com a segurança, o desenvolvimento com a justiça.

Recuso-me a conceber que a revolução seja a única forma de nos fazer sair do marasmo político, que a subversão seja o único meio de fazer vingar as reformas nas nossas estruturas.

Por isso rejeito as ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda, de uma ou de outra classe, bem como os caminhos que a ela conduzem.

Creio que, se todos quisermos, podemos eficazmente aproveitar a oportunidade que nos é dada de obter as reformas necessárias sem quebra da ordem pública, sem atropelos das consciências, nem violências sobre as pessoas.

Pela minha parte dispus-me a tentá-lo, na convicção de que tenho obrigação de o fazer, ainda que, mais do que em qualquer empreendimento humano, sejam grandes os riscos de falhar.

Mas é indispensável que não haja ilusões de parte a parte. Nesta altura estão já expostos os programas dos candidatos, aquilo que se propõem realizar se forem eleitos.

No que diz respeito à Metrópole há um grande campo de coincidência nos programas das várias tendências políticas: todas se propõem reformas em ordem e melhoramentos dos vários sectores da vida nacional. Mas enquanto uns, como nós, acham que é possível realizá-las na linha do actual Chefe do Governo, outros exigem a substituição das instituições políticas como condição da sua efectivação.

O programa que em linhas gerais foi exposto no nosso comunicado recentemente publicado corresponde à realidade do que queremos. Mas entendo que a sua efectivação não será inteiramente possível se os deputados permanecerem fechados sobre si próprios.

Se formos eleitos teremos de ser efectivamente representantes, o que significa que havemos de exprimir a vontade da Nação, procurar realizar os seus anseios, corresponder aos seus objectivos.

Mas para isso é indispensável que o povo que eleger os deputados tenha vontade própria, saiba o que quer e que o exprima efectivamente.

Por isso me parece indispensável insistir tanto na revitalização política do País.

Creio que os deputados prestariam um péssimo serviço aos eleitores se se limitassem a fazer eco dos problemas e preocupações regionais ou nacionais, como se os membros da Assembleia Nacional fossem os únicos que pudessem livremente criticar, reclamar e exigir.

Parece-me que a primeira contribuição que podemos prestar ao País, se formos eleitos, é procurar estabelecer as condições indispensáveis à formação e expressão de uma opinião pública consciente e livre.

Esse o ponto de partida que possibilitará a cada pessoa, a cada classe, a cada concelho, a cada organização profissional, a cada comunidade ocupar-se dos seus próprios problemas, lutar eficazmente pelos seus próprios direitos, tomar mais consciência das suas responsabilidades.

Por isso considero primordial o restabelecimento dos direitos e liberdades fundamentais na maior medida possível: sem ele creio que será impossível realizar todas as demais reformas.

Há que ser prudente, mas prudência e a virtude da acção eficaz no momento oportuno e não a passividade timorata.”

Francisco Sá Carneiro

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